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As muitas vidas da “geração barra” da China

Equilibrar vários empregos de uma só vez é natural para esses habitantes de cidades, que são instruídos, viajados e estão à vontade com as tecnologias digitais. Os membros da “geração barra” (slash, em inglês), ou slashers, ao contrário das gerações anteriores, não hesitam em tentar a sorte em diferentes profissões e carreiras – todas ao mesmo tempo. Seguindo seus sonhos, esses jovens rapidamente adquirem novas habilidades – seja pintar murais ou tocar instrumentos antigos, dançar hip hop ou criar moda – e as compartilham nas redes sociais. 



Zhang Yiwu

Professor de literatura chinesa na Universidade Pequim, crítico literário e autor, seu livro mais recente é Strict and Honest Spirit: The Profound Force of Chinese Spirit (2016).

Jiajia, 26 anos, originária da província chinesa de Anhui e graduada em design de moda, já tentou a sorte em muitas coisas. Já foi modelo de cosméticos, vestiu uma roupa de mascote para distribuir panfletos, trabalhou como recepcionista e digitadora da língua inglesa. Essa jovem artista agora é uma influenciadora de arte com 6 milhões de seguidores no Douyin – a versão chinesa do TikTok, a plataforma de vídeos de formato curto –, onde ela agora documenta suas habilidades como muralista.

Quando Jiajia começou a compartilhar vídeos na plataforma, a ideia era apenas documentar como ela pintava murais. Contudo, isso mudou com a sua crescente popularidade – a artista, cujo nome verdadeiro é Zhang Lijia, agora é conhecida como Muralist Jiajia. Transmitir seu trabalho ao vivo e interagir com seus fãs é agora um trabalho em tempo integral.

Jiajia representa o melhor da Geração Z da China. Nascidos entre 1996 e 2010, os zoomers – como os membros da Geração Z são por vezes chamados – são nativos digitais que cresceram com a internet. Em muitos aspectos, suas vidas refletem a explosão da internet na China, ocorrida nas últimas duas décadas.

Para essa geração, as mídias sociais são a principal forma de comunicação, entretenimento e notícias. Elas também podem levar a carreiras muito lucrativas. O total de visualizações de vídeos relacionados à arte no Douyin atingiu 2,1 trilhões em dezembro de 2020 – aproximadamente 300 mil vezes o número de visitas ao Museu Metropolitano de Arte de Nova York (MoMA) em 2019.

Rock, hip-hop, e cerâmica

Dança hip hop, musicais, rock, cerâmica – para citar alguns interesses – reúnem jovens entusiastas em plataformas de mídia social, incluindo Douyin, Bilibili, Xiaohongshu (Pequeno Livro Vermelho) e WeChat.

Assim como aconteceu com Jiajia nos primeiros anos de sua carreira, quando tentou diferentes empregos, cada vez mais jovens chineses estão optando por adotar um estilo de vida autônomo, que lhes permita ter mais de um emprego ou identidade. Conhecida como a “geração barra” da China (a expressão slash career foi originalmente cunhada em 2007 pela colunista Marci Alboher, do The New York Times, e foi popularizada na China pela escritora/dançarina/empreendedora Susan Kuang em seu livro Slasher Generation, de 2016), o termo se refere a pessoas que gostam de ter várias identidades de trabalho e o símbolo “/” na descrição de suas funções.

Tendo crescido no auge do desenvolvimento econômico chinês, a Geração Z representa uma mudança cultural em relação às gerações anteriores. Para a geração barra, individualidade, horários de trabalho flexíveis, criatividade e empreendedorismo são mais atraentes do que a carreira convencional – que, idealmente, incluía um cargo público do Estado, com contrato de longa duração, benefícios sociais e estabilidade – valorizada por seus antecessores..

De acordo com um relatório de 2019 da Agência de Notícias Estatal Xinhua, os slashers chineses ultrapassaram os 80 milhões – um número que deve crescer. A maioria desses jovens são habitantes urbanos bem instruídos, com uma perspectiva global, mais opções de vida e instintivamente familiarizados com a tecnologia. O estilo de vida slash ganhou tanta popularidade como fenômeno cultural que, em 2019, foi organizado um Festival Slasher em um shopping center de luxo em Xi’an. 

O surgimento do guochao

Mo Guiling, graduado em comunicação visual e fotógrafo freelancer, é um exemplo típico da geração barra. Ele passa parte do tempo encenando suas ideias incomuns em casa – como imitar o Mr. Bean (de uma série de TV britânica da década de 1990, estrelada por Rowan Atkinson), ou cobrindo inteiramente as paredes de seu quarto com jornal – antes de gravá-las em vídeo.

O primeiro vídeo de Mo viralizou no Douyin, com 2,2 milhões de curtidas. Isso o encorajou a produzir histórias mais visuais – retratando não apenas sua vida pessoal, mas também a cultura popular, como animes japoneses e filmes norte-americanos. Suas fotografias e seus vídeos criativos são hilários e instigantes.

Como Mo, outros estão trabalhando para reavivar sua herança cultural tradicional. Uma das principais influências que moldam a cultura de consumo da China é o surgimento do guochao (literalmente, “estilo chinês”) – com elegantes marcas de roupas chinesas retrô. Além de contribuir para o surgimento de marcas nacionais, o guochao também impulsionou a indústria da moda do país.

Uma cítara de 2 mil anos

Fascinados pela riqueza de seu patrimônio cultural, jovens da Geração Z e influenciadores chineses estão ansiosos para promovê-lo. Peng Jingxuan, uma jovem de 25 anos de Wuhan que está na França desde 2017 – realizando um mestrado em musicologia na Universidade Bordeaux Montaigne – é um deles.

Ela percebeu que as pessoas de fora da China sabiam muito pouco sobre os instrumentos musicais tradicionais chineses e, assim, decidiu apresentá-los aos sons do guzheng – uma cítara chinesa, instrumento de cordas dedilhadas que remonta à dinastia Qin, há mais de 2 mil anos.

Vestida com um tradicional vestido Han chinês, Peng começou a se apresentar com seu lindo guzheng em frente ao Grand-Théâtre, a casa de ópera de Bordeaux. Ela gravou sua música e viaja pela Europa, onde se apresentou com seu guzheng em muitos lugares, inclusive aos pés da Torre Eiffel, às margens do Lago Léman e durante um casamento realizado em um castelo francês.

Peng tem mais de 7,7 milhões de fãs no Douyin. “Quando ouço as pessoas aplaudirem no final do espetáculo, sempre fico cheia de orgulho nacional”, disse ela ao jornal China Daily, em abril de 2020 .

Com oportunidades de se conectar ao resto do mundo por meio da internet, a Geração Z da China é mais aberta e acessível. Muitas vezes, são pessoas viajadas. Tal como seus pares em outras partes do mundo, têm um grande interesse em questões como meio ambiente e mudança climática, estão preocupadas com as populações vulneráveis e o bem-estar dos animais, e buscam mudanças sociais de forma ativa.

Os jovens chineses estão envolvidos em assuntos comunitários e, como resultado disso, frequentemente trabalham como voluntários. O recente renascimento da cultura tradicional e as mudanças no estilo de vida demonstram que suas vozes realmente estão sendo ouvidas. Dessa forma, temos todos os motivos para acreditar que sua visão de uma sociedade mais diversificada prevalecerá no futuro.

Leia mais:

Zoomers,  in their won wordsThe UNESCO Courier, Apr./Jul. 2021

Himalaya FM da China: a rádio à la carteO Correio da UNESCO, jan./mar. 2020

Nüshu: de lágrimas a raios de solO Correio da UNESCO, jan./mar. 2018

É isto ou nadaO Correio da UNESCO, jul./set. 2011

 

 

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